quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Vô Anildo se foi




foi pegar água no riacho

esquentá-la no fogo

fazer o chimarrão



seu velho amigo Gonçalino

chegou em nosso acampamento

trazendo carne de caça

cerveja quente

e piadas sem graça

que só o vô Anildo ria

pois só ele entendia

o que o velho "Gonça" falava



os perdigueiros fazem graça

rolam no chão, latem e saltitam

para ganhar um pedaço de salame



pinhões se abrem na brasa

a gente tira com um galho seco

sopra e troca de mão até esfriar um pouco

eles tem gosto de passado



até onde a vista alcança

vejo os campos de "Água Doce"

vejo taipas de pedra

e sinto o frio gelar os dedos, o nariz e a alma



vô Anildo alisa a palha do cigarro

com o canivete de estimação

acende o palheiro e conta causos estranhos

que aconteceram nos campos



"Uma vez, tarde da noite, quando eu visitava a casa do velho Áureo, ouvi alguém chamar lá fora. Áureo nem se mexeu para atender. Chamaram de novo e então perguntei:

- Não vai atender a porta?

- Não – respondeu Áureo – aqui no campo esperamos chamar três vezes. Se não é visagem.

Não chamaram pela terceira vez."



o vô sorveu o último gole do mate

passou a cuia

eu senti um arrepio imaginando a história

nessa hora já estava escuro

e pouco depois já víamos as estrelas



nos campos do Gonçalino

não havia luz elétrica

não havia conforto

mas havia eternidade

em personagens peculiares

que foram sumindo no tempo



e o vô Anildo se foi





(Eduardo Barbossa, do livro "Minhas Simplicidades")

6 comentários:

  1. Parabéns Dado. Sua perspicácia é surpreendente. "Causos" como estes é que remontam nossas vidas. A simplicidade do "Gonçalino", a amizade do "Vô Anildo" suas peculiaridades, o silêncio da noite no campo, os "causos" contados pelos próprios é que se tornam inesquecíveis.
    Pai Chico.

    ResponderExcluir
  2. Nossa, muito verdadeiro, sabe que imaginei toda a sena, dos pinhões, da palha do cigarro e o canivete de estimação passando? E no sítio do meu avô é igualzinho.

    Beijo querida, lindo escrito

    ResponderExcluir
  3. Causos há e sempre hão de existir para formar a o acervo de nossas memórias que devem ser partilhadas para, então, serem eternizadas. Aqui no interior paulista, tb temos causos. E lembranças de causos, e gente que virou "folclore", e motes para causos...
    Parabéns. Vô Anildo se foi. Agora é que ele ficará para sempre.
    Abraços,

    ResponderExcluir
  4. Espetacular!
    Envolvi-me com as cenas
    e falas dos personagens!

    ResponderExcluir
  5. Olá adorei o seu blog,já estou te seguindo,será que vc gostaria de conhecer meu blog? beijinhos.

    ResponderExcluir